Natal versão Londres

Imaginem isto.... Savana africana. Uma manada de gnus. Um leão. E vocês são aquela azarada suricata, que por acaso só ia ali buscar leite à esquina, e deu por si no meio da manada no exacto momento em que o leão ataca. Isto é Oxford Street em Dezembro. 

piccadilly

Confesso. Gosto de Londres. E existem cidades que têm um encanto especial na época de Natal. Londres faz parte desse restrito lote. 

Um pé fora da estação de Piccadilly Circus e já se ouvem os acordes de uma banda que enche o ar com melodias de Natal. Digna de orquestra.

Cruza-se a rua, direcção norte, e breve passagem pelo Soho onde é possível ver algumas das mais originais decorações de Natal. Se não estivessem aqui estariam no MoMA de Nova York. 

Segue-se para oeste já com o natalício copo vermelho de Starbucks na mão. Em Piccadilly Street assentam arraiais dois tipos que têm uma das mais originais bandas musicais: vestidos de duendes, dois jamaicanos tocam em Reggae um Jingle Bells de outro mundo. Sim. Dois jamaicanos, vestidos de duendes, nos cruéis 5ºC de Londres.  Só por isso já merecem duas libras. 

Hora de sentar num restaurante e rogar pragas a Baco quando o preço de um copo de vinho que está para a vinicultura como o Tony Carreira está para a música clássica, custa doze euros e meio. “Bem, afinal de contas estamos em Londres”. Não sei qual é a minha surpresa. No rádio “Let it snow”. 

soho

Tempo de fazer um golpe de mão às lojas em Oxford Sreet. “Black Friday” é um conceito que aqui não existe. Aqui é “Black week”. “Black Monday”, “Black Tuesday”, e por aí em diante.  Qualquer que seja a loja o cenário é o mesmo: parece o desembarque na Normandia. Entrar já é uma vitória. Comprar e pagar é ganhar uma medalha. 

Mas encontra-se de tudo. Literalmente tudo. Existem lojas, livrarias, discotecas (no original sentido da palavra, a loja que vende discos) em que podemos encontrar o que quer que andemos à procura. Mesmo que seja aquele disco de José Cid de 1982. Vá-se lá saber porquê. Um paraíso para quem quer encontrar “aquela” primeira edição ou aquele raro vinil. 

É hora de beber um copo, logo é hora de terminar a tarde num dos rooftops da cidade. Naqueles em que a garrafa mais barata custa uma prestação da minha casa. 

“Era uma água das pedras, por favor”. 

Londres tem esse “encanto”. É um antro de consumismo desenfreado. Mas é um antro com pinta. 

Muita pinta. 

Vikings em Portugal

Fui invadido por aquela sensação de quem vê um velho amigo. Ali estava ele. Aliás, eles, numa placa no centro da Base Aérea do Montijo. Dois EH-101 “Merlin” silenciosamente prontos, um ao lado do outro. Mas estes tinham uma cor diferente aos que eu estava habituado. Não enganavam. Eram dinamarqueses. Esquadra 722. 

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Chegamos a meio da manhã ao edifício onde o destacamento dinamarquês está instalado na Base Aérea nº 6. Antigo edifício do despacho e último reduto da Esquadra 401 nesta unidade. Lembro-me bem de passar por aqui algum tempo. 

Somos imediatamente recebidos pelo Capitão “VAN” (callsign táctico, todos os nomes foram omitidos nesta reportagem). Na Força Aérea Dinamarquesa desde o ano 2000, piloto de EH-101 Merlin e de Fennec e com três destacamentos operacionais no Iraque e no Afeganistão, “VAN” encaminha-nos para o briefing geral da missão. 

Missão para hoje: treino de procedimentos operacionais e formação até Santa Margarida, voo táctico na área, e regresso ao Montijo. 

“Tinha saudades disto”, confesso. A malta dos helicópteros será sempre a malta dos helicópteros. Uma maneira de estar diferente e de bem receber. E isso nota-se. 

A Força Aérea Dinamarquesa (RDAF) adquiriu catorze EH-101 Merlin em duas versões distintas: oito em versão SAR (Search and Rescue/Busca e Salvamento) e seis em versão táctica, especialmente equipados para ambientes não permissivos com equipamento de guerra electrónica, contra-medidas e armamento. Embora todas as aeronaves possam – e executam – a missão SAR, apenas estas seis aeronaves se encontram configuradas para missões tácticas. No entanto, toda a frota está preparada para ser reconfigurada, se assim for necessário, para a configuração táctica. Em tudo semelhante à frota portuguesa de EH-101. 

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Callsign para a missão: “Viking 72” e “Viking 73”. Pomos em marcha na placa e descolamos da pista 01. A nossa boleia para hoje é o “Viking 73”, descolamos a número dois, na asa. O som do Merlin é, para mim, inconfundível e a rampa e portas abertas tiram-me qualquer dúvida que estou de volta a um ambiente de voo militar. “Espectáculo!” 

O voo para a área de trabalho é efectuado sempre em formação “low level”, alternando a posição e o tipo de formação utilizada, para benefício de todas as tripulações envolvidas. O tempo está excelente. Céu azul e óptima visibilidade. CAVOK nacional.

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“Porquê Portugal?” pergunto ao “VAN” mais tarde. A razão é simples: pela possibilidade de treino de “dust landings” (aterragens com muito baixo nível de visibilidade devido ao pó e poeira que o efeito “downwash” do helicóptero invariavelmente levanta)  e pela presença da Esquadra 751 e dos Merlins portugueses, o que facilita a troca de experiências com os operadores portugueses. 

O destacamento dinamarquês iniciou-se a 3 de Novembro e está previsto terminar a 6 de Dezembro. A primeira parte do destacamento decorreu na Base Aérea nº 11, Beja, e a segunda – e maior – na Base Aérea nº 6 Montijo. As duas aeronaves aqui presentes voaram directamente do seu destacamento no Afeganistão, parando em Portugal antes do seu regresso final à Dinamarca. Foi o último destacamento para os Merlins dinamarqueses naquele teatro de operações. Por agora.  

“VAN” recorda-se de algumas das missões mais marcantes no Afeganistão. “As inserções de operações especiais e sem dúvida a operação de apoio às eleições afegãs”. Nesta operação dezenas de meios aéreos da NATO foram empenhados, de forma coordenada e simultaneamente, de modo a garantir a segurança e o transporte dos boletins de voto por todo o país. Logisticamente e operacionalmente um feito épico. 

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Chegamos à zona de operações – o campo militar de Santa Margarida - e iniciamos o treino táctico já apenas com uma aeronave. Quando alguém me pergunta do que sinto mais falta dos meus tempos de voo militar a minha resposta é imutável: voar formação e voar baixo. E aqui estou, de volta às origens. Ele há dias assim!

Sempre em “low level” executamos um sem número de circuitos para aterragem em locais não preparados. Seja numa clareira que deixa pouco mais que uns metros de espaçamento entre o rotor e as árvores, seja em locais com declive assinalável, a coordenação entre toda a tripulação é evidente. Afinal de contas todos eles têm pelo menos um destacamento operacional num teatro de guerra fora da Dinamarca. E todos fazem parte da mesma esquadra: a 722. 

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A Esquadra 722, baseada na base aérea de Karup, no norte da Dinamarca, possui um total de oito tripulações tácticas embora apenas seis se encontrem qualificadas de momento. Estas tripulações são normalmente constituídas por dois pilotos, um mecânico de voo e um “loadmaster”, sendo que em missões tácticas reais a tripulação é reforçada por mais um elemento de modo a que o armamento do Merlin tenha todo ele um operador – duas armas laterais e uma na rampa. A juntar a isto a Esquadra 722 garante igualmente o alerta SAR na Dinamarca com três aeronaves e três tripulações em alerta 24 horas em três diferentes bases permanentes espalhadas pelo país. A 722 tem à sua disposição dezanove tripulações SAR. As tripulações tácticas apenas voam, e treinam, táctico. O mesmo se aplica às tripulações SAR: apenas voam, e treinam, busca e salvamento. 

O destacamento operacional da 722 no Afeganistão durou sensivelmente ano e meio, com um sistema rotacional de tripulações a sensivelmente cada dois meses. Num destes destacamento um EH-101 despenhou-se durante uma aterragem táctica, estando a ser avaliada a possibilidade de reparar a célula para retorno ao serviço. Felizmente não houve fatalidades registadas.  

As tripulações da Esquadra 722 participam igualmente, e de forma regular, em treinos e destacamentos em países aliados como os Estados Unidos, Reino Unido (País de Gales) ou os vizinhos nórdicos. A razão? “Aproveitar todas as potencialidades do terreno montanhoso ali existente e as enormes áreas de treino” refere “VAN”. 

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Após várias aterragens por Santa Margarida, seguimos para algo que me é bastante familiar: operação de guincho em terra. Efectuamos dois circuitos e são efecutados um total de quatro guinchos para um terreno previamente reconhecido. Descolagem à vertical (ah, que vontade estar aos comandos!) e vamos embora. Ou então não. “Exercise, Exercise, Exercise...” ecoa nos rádios. De surpresa é simulada a necessidade de uma evacuação urgente de um soldado aliado em estado crítico (CASEVAC). São introduzidas as coordenadas e prosseguimos low-level até ao local, aterragem táctica, e simula-se a evacuação. Tudo em poucos minutos. Descolagem num piscar de olhos e... “SAM, SAM, SAM”. Numa série de manobras evasivas evitamos a ameaça terra-ar simulada. E aqui (re)vivi a verdadeira capacidade de manobra do Merlin! 

“Bem, desta não estava à espera” comento. 

É tempo de regressar ao Montijo. Regressamos efectuando uma navegação visual baixa via Montargil, Benavente e Alcochete. 

 

De volta a terra firme converso um pouco mais com o “VAN”. Fica registado a excelente imagem de profissionalismo e colaboração que várias unidades nacionais deixaram no destacamento dinamarquês. A UPF (Unidade de Protecção de Força da Força Aérea), o DAE (Destacamento de Acções Especiais) da Marinha e a Esquadra 751 destacam-se, de entre outras.  

O feedback finaldo destacamento é positivo, não tendo uma única missão sido cancelada por meteorologia, mas existem algumas arestas por limar, especialmente nas regras de utilização e nas reservas das áreas de trabalho a nível nacional. 

Viking07

Para terminar, pergunto-lhe para me descrever em uma ou duas palavras algumas características nacionais: 

“Comida portuguesa”? “Autêntica. Fresca!”

“O tempo”? “Espectacular!”

“E as mulheres portuguesas?” “Absolutamente lindas!” 

A isto se chama diplomacia! Tak! 

 


Fotos: André Garcez(c)

Callsign Mocho: A largada de helicóptero.

Existem marcos na vida de um piloto. Momentos em que as suas dúvidas, força, medos e confiança se encontram num único período temporal. As largadas são invariavelmente um desses momentos.

Queija de Serpa, um bom vinho tinto e voar de Alouette 3. Prazeres que só o Alentejo proporciona...

Queija de Serpa, um bom vinho tinto e voar de Alouette 3. Prazeres que só o Alentejo proporciona...

07H35. Toca o despertador do telemóvel. Almejo o dia que o vou poder atirar contra a parede. Toca contínua e cruelmente. Mas hoje saio da cama com um sorriso. Era o dia da minha largada em Alouette 3. O meu voo de largada tinha vindo a ser adiado constantemente ao longo da semana por meteorologia. Hoje era sexta-feira. Última hipótese de regressar a casa para um fim de semana que se avizinhava de comemoração.

Abro a persiana do quarto como quem abre um presente. O sol brilha e vento… nem vê-lo! “Finalmente” – digo para mim mesmo – “É hoje! Bem dita sexta-feira”. Nos Roncos tinha-me acontecido uma situação semelhante. A minha largada foi adiada várias vezes devido a vento fora dos limites (15 kts cruzado para largada) o que levou a que fosse largado a uma segunda-feira. Frustração completa. A algazarra que se avizinhava numa sexta-feira não aconteceu e um tipo passa o fim de semana louco só a pensar na largada que se adiou. Desta vez não porra. Havia de estar no Bairro Alto aquela sexta a comemorar.

Dirigimo-nos para o briefing geral da manhã como fazemos todos os dias. Este briefing, que conta com a presença de todos os pilotos da esquadra, ocorre todos os dias à mesma hora e fornece as primeiras informações de meteorologia, tráfego aéreo e operações. Anoto a pista em uso, tenho atenção aos NOTAMs confirmo que a meteo para o dia de hoje irá estar impecável.

Espero impacientemente na esquadra até que o meu instrutor me chama para iniciar o briefing do voo. Agarro o meu checklist e a pasta de aluno.

“Boa sorte pah”, dizem os meus camaradas de curso. Quatro aspirantes da Força Aérea e quatro distintos oficiais da Armada. Umas máquinas diga-se de passagem.

Briefing mais informal do que o normal. O meu instrutor, comandante de esquadra e, ao mesmo tempo, comandante dos Rotores de Portugal, era (e é!) um piloto com uma enorme experiência. Sabia muito bem como lidar com a ansiedade de um aluno nesta posição. Ainda hoje é para mim uma referência.

Dirijo-me para a linha da frente. Sentia-me capaz de correr e caçar as lebres que normalmente por ali andam na primavera. Donas e senhoras da planície. Cumprimento os mecânicos e vou buscar o livro do helicóptero. Tudo OK. Vou buscar o equipamento de voo. Sento-me na máquina infernal – Alouette 3 – e faço as contas de potência. Antes de todos os voos calculamos a potência (passo) necessário para manter o helicóptero em estacionário (o chamado passo de estacionário) e a potência de subida do helicóptero (o chamado passo de subida). Estas contas têm em consideração variáveis como a pressão do ar, temperatura exterior e peso do helicóptero nesse dia. Mais tarde, no EH-101, todos os cálculos de performance seriam feitos automaticamente pelos computadores do próprio helicóptero.

Enquanto esperava pelo meu instrutor conversava com um camarada de curso que iria voar à mesma hora do que eu. “Pah, vê lá… não me montes!”, dizia eu na brincadeira.

“Tudo pronto?” pergunta o meu instrutor. Numa atitude pouco usual diz-me que hoje põe ele em marcha. As operações no solo são para os alunos das fases mais complicadas do voo. Vá-se lá saber porquê. Deve ser o medo de falhar tão cedo. Portanto, e revelando real vocação para instrução, acalma-me executando toda a fase de operações no solo. O instrutor põe em marcha, taxia e efectua todos os testes necessários no solo. Comunica com o Ground de Beja e deixa a aeronave pronta para a descolagem no heliporto. Direcção 01. “O helicóptero é teu, vamos a isso.”.

“Beja Tower, Sábio 12 ready for departure”

“Sábio 12, Beja Tower, wind calm, report airborne”

“Wilco, Sábio 12”

Via lá ao fundo os meus camaradas que entretanto se tinham reunido, armados com máquinas fotográficas. Mais pressão. “Filhas da mãe”!

Com 0.5 de passo sinto os amortecedores a esticar. Coloco o manche para compensar o movimento inicial que penso que o helicóptero irá ter de modo a que no momento de rodas livres tenha um estacionário perfeito. 0.55 e o Alouette treme, 0.6 sai do chão, oscila ligeiramente pela esquerda e roda ligeiramente nessa direcção. Meto pé direito para compensar. Subo para metro e meio do solo (estacionário standart). 0.65. As contas bateram certo. Todos os instrumentos do motor estão OK e todas as luzes estão apagadas. Ligeiro manche à frente ( mais ou menos cinco graus ) e 0.7 de passo. O helicóptero afunda ligeiramente mas recupera num instante e começa a ganhar velocidade. Passo de subida e siga.

“Sábio 12 airborne”

“ Copy Sábio 12, report Downwind”

“Wilco, Sábio 12”

Agora ou brilhava ou apanhava uma das maiores humilhações da minha vida Executo o primeiro circuito nivelando a 1200 pés, 80 kts mantendo o traçado definido. Abeam (ou seja, a 90º) com o ponto de tocar inicio uma redução para 60kts . Check de aproximação ao campo. Cintos, travões e viseira. O instrutor confirma. Continuo o circuito e volto para a final já a 1000 pés. Reporto e começo a reduzir a velocidade. Reduzo passo e cabro ligeiramente o helicóptero. Verbalizo que no último terço de final tenho de ter menos de 40 kts e menos de 300 pés de velocidade vertical.

Existem dias em que tudo nos corre mal. E outros em que tudo nos corre bem.

Este, felizmente, era um dos segundos.

Terminei a aproximação, transitei para estacionário a metro e meio e aterrei o helicóptero.

“Siga para outro” diz o instrutor.

Passo a 0.65, estacionário, manche à frente e lá vou eu outra vez. Ao finalizar esta segunda aproximação, ainda com as rodas no ar, o instrutor já estava a tirar os cintos. Aterrei e já ele estava “solto”.

“Bem” – diz-me o meu tão paciente instrutor – “Não te posso ensinar mais nada. Juízo nessa cabeça.”. Sorri ligeiramente.  “Sim meu Major”.

A largada! Um instrutor da 552 larga um aluno no seu primeiro solo. 

A largada! Um instrutor da 552 larga um aluno no seu primeiro solo. 

O meu instrutor faz uma última incursão pelos rádios “Sábio 12, now MOCHO 12, ready for departure”. MOCHO é o callsign para voos solo dos alunos na Esquadra 552.

“Ou vai ou racha!”

Passo a subir, 0.65 e rodas no ar! Bolas… estou a subir demias! Retiro passo e lembro-me que tenho menos peso no helicóptero. Para além do instrutor já consumi uma quantidade considerável de combustível. Consigo manter estacionário com 0.62. Estou a voar um helicóptero sozinho! Um cabrão de um helicóptero!

Faço como sempre fiz. Mais 0.05, manche à frente e aí vou ao eu! Mais à frente, em subida, olho pelo meu lado esquerdo e lá estão os meus camaradas de curso. O comportamento da aeronave era realmente diferente. Mais leve, mais manobrável. E aquele manche a mexer-se sozinho ao meu lado causava-me uma impressão extremamente estranha!

A primeira aproximação era, por razões de planeamento, para borrego. Faço a aproximação normal mas borrego no último terço. Tendo um helicóptero acabado de aterrar decido fazer um “off-set”. Só por segurança. Passo de subida, desvio-me ligeiramente para a direita e lá vou eu.

“MOCHO 12, on the go, offset”

“Copy MOCHO 12, report downwind.”

A próxima seria para aterragem. O circuito corre normalmente, estupidamente mais descontraído. Voar sozinho é, e estou convicto disso, a melhor sensação do mundo. A paz e a liberdade são totais. Check de aproximação ao campo. Tudo normal, tudo apagado. Volto para a final.

“MOCHO 12, final”

“Copy MOCHO 12, proceed”

Inicio a aproximação como sempre fiz. Reduzo o passo e cabro o helicóptero consoante o necessário. Reparei que estava a abrandar bem mais devagar. Distraio-me um pouco com a situação e quando entro no último terço da aproximação noto que estou “quente” (rápido)! Cabro o helicóptero de maneira significativa, e aí estamos nós, eu e o meu companheiro Alouette 3 em estacionário sobre o heliporto! Aterro o helicóptero. Aterragem um pouco mais bruta. “Atracagem” pensava eu em honra dos meus camaradas da Marinha.

Descolo e voo mais um circuito.

“MOCHO 12, final, full stop”

“Copy MOCHO 12, report safe on the ground”

Aterro, destravo, reporto para a torre e dirijo-me para o estacionamento.

Recordo-me vagamente de ver os meus camaradas de curso à minha espera. Recordo-me mais vivamente do camião dos bombeiros que me iria dar uma molha das antigas!

E, como sou um tipo de palavra, naquela sexta-feira à noite lá estava eu. A beber uma cerveja e a comemorar!

Uma original prenda de Natal

Estou impressionado comigo. Já consigo fazer rimas no título das publicações. Entrei definitivamente no espírito! 

É possível que já tenham reparado na imagem de topo deste blog. A junção das asas portuguesas: a militar e a civil. Esta imagem saiu da mente artística de Miguel Amaral

Se são apaixonados por aeronáutica e ainda não sabem o que dar a outro apaixonado por máquinas do ar, poderão sempre pedir ao Miguel uma destas originais "caricaturas" para oferta. Basta escolher qual a aeronave que querem, seja civil seja militar, esperar uns dias, beber umas cervejas, ver o Benfica ganhar mais uns jogos e está feito!

artmiguelamaral.jpg

 

Se estiverem interessados poderão contactar o Miguel Amaral através do seguinte e-mail: garranaamaral@hotmail.com

 

5 de Outubro... o outro 5 de Outubro

(Escrito a 5 de Outubro de 2015)

A primeira bandeira do reino de Portugal. 

A primeira bandeira do reino de Portugal. 

 

Dia interessante esta segunda-feira de Outubro. 

Dia cinco. Liga-se a televisão, abrem-se as redes sociais, lêem-se os e-mails. E, tão previsivelmente como o meu Benfica ser campeão, fala-se sobre as eleições de ontem. Outros até celebram o 05 de Outubro como a implementação da república. Raros são – mas existem – os que celebram algo bem mais importante.

O aniversário de Portugal. 

05 de Outubro de 1143. A “nossa” data de aniversário oficial. Faz hoje 872 anos que somos oficialmente – e reconhecidamente – um país independente. E ninguém fala dela. Somos um país que não celebra a sua existência, a sua fundação, a sua história. Triste fado este. Preferimos celebrar a implementação de um sistema política à própria existência do estado em que ele é implementado. 

Arriscando tornar-me repetitivo, Portugal é mais do que os últimos 40 anos de história. É mais que os últimos 100 anos de república. Portugal anda por cá faz 872 anos. E isso é um claro motivo de celebração.

Passámos por tempos difíceis, fomos conquistados, conquistámos, demos um passo de fé e demos novos mundos aos mundo. Descobrimos, guerreámos, fomos gloriosos e fomos humilhados. Excedemo-nos, e ainda o fazemos em muitas áreas. Somos capazes do melhor e também do pior. 
Choramos com melancolia mas somos os mais alegres no reencontro. 

Temos 872 anos de história. Orgulhosa história. E isso merece um brinde! Não caraças! Merece uma grade de minis! Que é de Portugal que falamos. 

E ao brindar, diríamos como diria Afonso Henriques:

“SÃO JORGE”!

Parabéns Portugal!

A aviação é um bicho estranho!

A aviação é um bicho estranho. Invade-nos e jamais nos liberta. Fica connosco para todo o sempre. Alojado no mais profundo do nosso ser.

O autor até que é um tipo simpático. Faro, 2008. (Foto: (c) Luis Rosa)

O autor até que é um tipo simpático. Faro, 2008. (Foto: (c) Luis Rosa)


Lembro-me bem quando era mais novo, devia ter os meus sete ou oito anos, de receber um cumprimento, um adeus, um acenar, aquilo que lhe quiserem chamar, de um piloto de Alouette III que cruzava o céu à minha frente, bem baixo, só como um helicopterista sabe. Ali estava ele. Nuns meros cinco segundos. Aquele piloto, aquele tipo – que, quem sabe, até cheguei a conhecer mais tarde – era o meu Herói. O meu ídolo. O exemplo a seguir. Como se aquela pessoa que mais admiramos um dia decidisse aparecer à porta de nossa casa. Sem aviso. Sem telefonema prévio.

Vinte anos depois, algures pelas planícies da Beira Interior, voava aos comandos de um Alouette III em rota para a Serra da Estrela. Mais uma sessão de voo de Montanha, essencial para qualquer piloto operacional. Ao sobrevoar uma pequena estrada reparei que ali, sentado ao pé de uma típica casa de granito, estava um miúdo. Um puto! Sete, oito, talvez nove anos. E como que por reflexo automático… acenei.

E viajei no passado.
A cara daquela criança era a minha cara há duas décadas. Aquele sorriso era meu. Aquela sensação de felicidade era minha. Era como se tivesse sido transferida entre gerações, num ritual estranho mas repleto de sentido.

Um gesto tão simples… mas que significa(ou) tanto.


A aviação é um bicho estranho…
Mas é um bicho lindo!

Porque fazemos aquilo que fazemos

Não deve existir nenhum piloto militar que não recorde com nostalgia os tempos que voou ao serviço do seu país. O tipo de voo, as missões, a camaradagem.

São coisas que não se esquecem. Mas existem Esquadras – e missões – que nos tocam mais que outras.

Aquando da minha passagem pela Força Aérea Portuguesa (curta é certo) muitas vezes me vi deparado com a pergunta “porque é que fazia aquilo que fazia”. A resposta surgiu, um dia, da forma mais inesperada.

Servi durante mais de quatro anos na Esquadra 751 a voar o magnífico EH-­‐101 “Merlin”. A nossa principal missão era a execução de missões de Busca e Salvamento. Missões essas que deixavam uma marca profunda em todos os que por lá passámos. "Posso ser um tipo novo", costumo dizer, "mas já tenho umas histórias para contar aos netos". O lema, “Para que outros vivam”, era vivido ao máximo. Era a nossa motivação, a nossa força, o nosso orgulho.

Foto: Menso Van Westrhenen (c)

Foto: Menso Van Westrhenen (c)

Em 2012, para além das funções como piloto‐comandante, era igualmente oficial de relações públicas da Esquadra. Todos os tripulantes, fossem pilotos, recuperadores salvadores ou operadores de sistemas, tinham funções complementares em terra. Aquela era a minha. E, consequência dessa atribuição, era da minha responsabilidade organizar, desenvolver e implementar a política de comunicação da Esquadra.

Um dos eventos que organizámos foi uma Grande Reportagem da TVI imediatamente após o incidente com o cruzeiro Costa Concordia. A premissa seria demonstrar os meios que Portugal teria no caso dessa catástrofe acontecer em águas nacionais. Uma das hipóteses que achámos interessante foi promover o reencontro entre um recuperador salvador (os homens que descem no cabo para irem resgatar quem deles precisa) e um náufrago por ele resgatado. E assim foi. No dia combinado o referido náufrago foi ter connosco à Esquadra e com ele trouxe o seu pequeno filho. Decidimos filmar esse reencontro à entrada do edifício da Esquadra. “Porreiro”, pensava eu, “vai dar um bom momento de televisão”.

Durante a filmagem do reencontro fiquei a fazer companhia ao filho . Ele teria quatro, cinco anos talvez. Estávamos sentados os dois à beira do passeio, a poucos metros de onde o pai estava a ser entrevistado. Então, de forma repentina, toca-me no braço, chama-me a atenção e olha-me nos olhos. E aí, nesse momento, ouvi umas palavras que ficarão comigo para todo o sempre.

Obrigado por salvarem o meu pai”.

Ali estava eu. Militar, fardado com fato de voo, com aquele ar tipicamente rígido e já com alguma experiência em missões complexas… e fui invadido por um riso incontrolável acompanhado de uma emoção que apenas posso descrever como… indescritível.

Eu nem tinha participado naquela missão específica, e ouvir aquilo foi um dos momentos mais simples, mas memoráveis da minha vida.

Ali, naquele início de tarde sentado naquele passeio, tive a certeza:

É por isto que fazemos aquilo que fazemos”.

www.merlin37.com/fazemosoquefazemos

Mais vale tarde do que nunca!

Bem, pelos vistos cedi. A pressão foi cruel, digna de romance barato. Os meus amigos estavam fartos de me ouvir... e vai daí criei um blog. 

Bem vindos ao Merlin 37

A partir de agora tenho finalmente um espaço para expor o sem número de coisas sem sentido que me passam pela cabeça. Passadas, presentes ou futuras. É altura de começar a reunir os textos que já foram feitos (e serão repetidos aqui, para horror do leitor) para que um dia os meus netos possam dizer do avô "este tipo era parvo". 

Aviação. Viagens. E coisas da vida. 

Assim será! 

Houve uma altura em que eu tinha cá uma pinta! (Foto: Luís Maia)

Houve uma altura em que eu tinha cá uma pinta! (Foto: Luís Maia)

(Especial agradecimento ao Miguel Amaral pelo magnífico logo)

TAP Portugal: 70 anos de história

“Devo ser eu”, penso. 

Às vezes tenho sérias dificuldades em perceber o que queremos. Nós, como povo, como Nação. O que admiramos, o que respeitamos, o que almejamos ser lá no fundo. 
A TAP Portugal volta a estar em destaque e, como é hábito, voltam a chover os comentários menos abonatórios sobre a empresa, quem por lá trabalha e pelo que representa. “Bom bom seria o fim da mesma” dizem alguns. 
Engraçado. 

Aqui temos uma empresa que: 

- Tem 70 anos de uma orgulhosa história a (e)levar o nome de Portugal pelo mundo;
- A sua operação na linha imperial originou os primeiros levantamentos topográficos aéreos da história africana;
- Foi a primeira companhia aérea da Europa a operar uma frota constituída apenas por aeronaves a jacto;
- Foi a primeira companhia aérea europeia a obter certificação para a manutenção dos motores do Boeing 747, década de 70;
- Efectuou a maior ponte aérea da história no nosso país, em 1975, durante a crise dos retornados;
- Na década de 80 foi a primeira companhia aérea a nível mundial mundial a estabelecer um sistema de comunicações via satélite;
- É altamente reconhecida pelo profissionalismo da sua manutenção, ao ponto de aeronaves de estado de outras nações efectuarem as suas revisões em solo nacional;
- É líder – e reconhecida como a melhor companhia aérea europeia – nas rotas para o a América do Sul e África;
- É a sétima mais segura companhia aérea do mundo (dados de 2014, dados JACDEC).
- É uma das poucas companhias aéreas mundiais a quem a Airbus recorre no desenvolvimento de novas aeronaves.
- É reconhecida pela elevada qualidade e profissionalismo dos seus elementos técnicos.

E, mesmo assim, é encarada com desdém. 

Airbus A330 da TAP Portugal. Lindo seria dizer pouco. (Foto: Rui Sousa)

Airbus A330 da TAP Portugal. Lindo seria dizer pouco. (Foto: Rui Sousa)


Não me interpretem mal. A TAP não é uma empresa sem defeitos. Pelo contrário. Existem e têm de ser resolvidos. O mais atempadamente e profissionalmente possível. 
Mas, factualmente, a TAP ao longo de setenta anos esteve na dianteira. Na dianteira da evolução tecnológica. Na introdução de novas aeronaves. No desenvolvimento de novos procedimentos e técnicas de manutenção e voo.

Foi, e continua a ser, um exemplo de profissionalismo e inovação nacional. Uma empresa muitas vezes à frente das suas congéneres internacionais.

Por mais polémica que a privatização traga e por mais polémica que a situação económica da empresa traga, não entendo a vontade de alguns de ver a TAP morrer.

Pelos vistos o velho do restelo está vivo e de saúde entre nós. 

Ainda bem que as Naus zarparam a tempo...

Japão: a surpresa do sol nascente

Tóquio surpreende. O Japão surpreende. Os japoneses surpreendem.

“A sério?” pensava eu enquanto olhava a carruagem de metro à minha volta. “Podia comer o meu pequeno almoço directamente do chão”.
Nunca vi cidade tão limpa na minha vida. A carruagem do metro brilha, de fazer inveja a qualquer anúncio de CIF. A estação igual. As ruas, idem idem aspas aspas. 
“O que é que se passa com esta cidade”? 
É mais limpa que uma fábrica de satélites. 

Mas se fosse só a limpeza... Não é. 

A comida... para lá do muito bom em qualquer restaurante que tenha parado. Parece que há um Jamie Oliver a cada esquina. 

A eficiência... isso da malta nórdica ser o supra-sumo é, lá está, mito. Qualquer japonês deixa cinco dinamarqueses no canto do ringue. Sem misericórdia. Sem quartel.

 


A surpresa do português. Nos multibanco, por exemplo, só existem duas traduções para línguas ocidentais: o inglês e o... português. “Puta que pariu”! Luxo!

E claro. A simpatia e o respeito. De outro mundo. Não há uma pessoa que não ajude, que não seja prestável, que não trate todos à sua volta com respeito. Mesmo que não fale inglês. E que perceba que viver em sociedade é isso mesmo: em “sociedade”. Juntos para o bem comum. Parte de uma equipa. 
E tanto que nós podíamos aprender com eles. Se em Hong Kong e em Macau um taxista nem do táxi sai para ajudar a por as malas no porta bagagens, em Tóquio quase que ficam ofendidos se não forem eles a fazê-lo. 

Há quem se meta a aprender alemão. Mandarim. Até russo. Esqueçam. Aprendam japonês.

Que sítio maravilhoso. Até os corvos posam para as fotos.